quinta-feira

"Urublues no Ar"

O sucesso da banda chamava a atenção nos meios acadêmicos. Rogério Coimbra, pesquisador de música popular, dava notícia do lançamento do cd no n.º 12, de jun 93, da Revista Você, da Secretaria de Produção e Difusão Cultural da Universidade Federal do Espírito Santo:

Urublues no Ar
"O segundo CD capixaba já está circulando: o grupo Urublues já circula sobre nossas cabeças graças ao patrocínio da Lei Rubem Braga (o primeiro foi o do João Pimenta). Uma turma que se reuniu em 1988 na Ufes para participar do Festival de Alegre conseguiu se manter unida para lançar essa gravação realizada durante quase um ano.
O disco não tem título e leva apenas o Urublues na frente, bem como são precariíssimas as informações sobre as participações especiais. É um disco mais de rock do que propriamente de blues, sem o rigor daquelas estruturas de doze compassos ou blue notes.
De acordo com a professora Lucia K., a expressão 'to look blue' (no sentido de revelar ansiedade ou depressão) já era em 1550 nos EUA e, em 1616, havia o registro de blues devils para indicar espíritos maléficos. A turma capixaba não quis saber e apenas caprichou nas canções e baladas roqueiras, afastando qualquer vínculo com os metaleiros e os operadores da tecnopop, preferindo assumir uma postura tradicional. Vejam só, um disco de rock conservador.
Kaubi, como todo Caubi, é bom de voz. O resto é Simonassi: Vagner e Saulo (guitarras) e Vaner (bateria). O baixo é de Dodo e o outro guitarrista é o Getúlio. Há participações especiais como as de Alexandre Lima (sax e teclados), Mário B. (bateria), Evandro (guitarra), Kátia Brinco (vocal), Cesar Távora (gaita) e Chico Jr. (teclados). São nove os temas apresentados, todos originais e bem levados, sem nenhum ranço pesado do blues. É um disco leve que parece saber usar a sabedoria dos urubus, afinal uma ave rara.
O maestro Jobim já fez Urubu e, na época (1975), já alertava que 'urubu mesmo é jereba, um urubu importante, como todo urubu. Mas entre eles, urubus, observam-se prioridades. Provador de venenos, sua prioridade é o risco. O que ele não toca é intocável'. E todo capixaba conhece bem a manha do urubu que voa baixo para fugir da chuva e adora brincar sob o sol. Tal como o Urublues que esbanja ingenuidade e diversão. Nada de urubu malandro, o que faz o disco assimilável e pacífico.
O desempenho de todos os instrumentistas não decepcionará ninguém, ao contrário, há excelentes surpresas. Kaubi e o clã dos Simonassi imprimem a alegria devida numa boa rolagem roqueira. O tributo aos Allman Brothers traduz o espírito da coisa. Que o Urublues se espalhe pela cidade, recolha e destrua o veneno cultural e que (desta vez não há desculpa pela qualidade da gravação) rode, rode, rode bastante nas rádios locais. Vale registrar o esforço e dedicação da produção, de Juvenal Carneiro e Vera Lúcia."

Êh nóis! Grande Rogério!

Divulgação: uma maratona de shows

O calendário era apertado, a banda recebia convites de todos os lados, era contratada para tocar em vários locais em Vitória e no interior do estado, em festivais e eventos. Daquela época guardei registro dos principais shows que a banda fez logo em seguida ao lançamento do cd. Interessante relembrar casas de shows que já não existem mais; uma espécie de rápida crônica da vida noturna de Vitória naquela época poderia até começar por aqui...

- Dia 03/06, no bar Art Nouveau, na Joaquim Lírio, Praia do Canto, 23 hs. O Lordose pra Leão deu uma canja nesse show;
- Dia 04/06, no Cine Metrópolis, às 24 hs. Lançamento do vídeo Rota das Orquídeas, de Cloves Mendes ;
- Dia 05/06, na Academia Ponto Um, na Praia da Costa, às 24 hs. Festa, com a Companhia de Dança Capixaba;
- Dia 12/06, em Alegre/ES. Festival de Alegre, abrindo o show de Lulu Santos;
- Dia 18/06, na Escola de Arte Fafi, em Vitória, às 18 hs.
- Dia 17/07, na Lama, Jardim da Penha, Vitória. Show em comemoração ao Dia Mundial do Rock, com outras bandas capixabas;
- Dia 31/07, em Guaçui, às 22 hs, apresentação no I Festival de Inverno de Guaçui. O Lordose pra Leão também se apresentou no evento;
- Dia 06/08, no Clube Libanês, na Praia da Costa, o show "Aumenta que isso aí é rock'n roll", abrindo a apresentação de Celso Blues Boy. Lordose e Sister Blues também se apresentaram no evento;
- Dia 02/09, no Rollerball, em Itaparica, Vila Velha, às 21 hs. Inconfidentes Banguelas também se apresentaram no evento;
- Dia 16/10, no pátio da EMESCAM, em Vitória, às 22 hs. Show em que também se apresentaram Lordose pra Leão e Inconfidentes Banguelas.

Amigos e a família se espantavam com a quantidade de compromissos. A brincadeira entre amigos tornara-se coisa séria, a banda estava se profissionalizando, a mídia mostrava-se favorável e, felizmente, caíramos no gosto do público. Urublues era a banda mais conhecida do Espírito Santo.

quarta-feira

O cd recebe a primeira crítica

O cd estava na rua, e chamava a atenção. O primeiro crítico a se ocupar dele foi Luis Tadeu Teixeira, que ainda naquele mês de maio de 93 estampou nas páginas do Caderno Dois de A GAZETA a seguinte apreciação da obra:

Recomendável
"Sem estardalhaço ou expor uma pretensão que poderia frustrar o ouvinte, a banda capixaba Urublues lança seu primeiro cd, gravado em Vitória, masterizado e prensado na fábrica da Sony Music do Rio. O disco tem nove faixas e em todas um bom desempenho dos integrantes da banda e convidados. Os temas são leves, de audição agradável, evitando climas pesados ou redundantes. O rock Festa no Céu, com letra bem-humorada lembrando mortos ilustres (John Lennon, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Elvis Presley), cultuados por qualquer roqueiro que se preze, evita o pieguismo. Do ponto de vista musical, o disco também está recheado de boas idéias. Podem não ser originais, mas são defendidas com saudável honestidade."

Aprovado o produto, agora também pela crítica, a banda continuava a maratona de shows para divulgação.

Urublues o poema

Reza a lenda que o nome da banda foi tirado de um poema homônimo de Adelino Pires, que acabou musicado por Kawbi, Vito e Rô. Entre muitas besteiras que já foram ditas a respeito disto, a melhor é o que foi publicado num dos dois jornais da época, por ocasião do lançamento do primeiro cd, esclarecendo para o público perplexo o que, afinal, aquele trocadilho significava: o belo poema de Pires "descrevia a relação do urubu com o blues"... O amável leitor que tire suas próprias conclusões a respeito à vista do mesmo poema, que vai transcrito abaixo:


"Numa noite chuvosa
Eu tento encontrar
Algum lugar perdido
Algum porto seguro
Para a solidão.
Fugindo das luzes
Procurando a noite
Ainda levo comigo
A velha guitarra
E toco este blues.
O blues é o frio que sentem
Os homens nus.
É o gosto dos restos que sobram
Para os urubus.
Um operário espremido no ônibus, o pus
Das feridas que a vida cuida
De abrir em nós.
É a dose mais forte
Dos bêbados
É o sopro do vento
Que varre os becos
Esse é o blues.
Choro minhas loucuras
Na mesa de um bar
Tento e não desisto
Da vontade de pirar
Trago em mim a dor
De um canto negro, o blues
Prá saber que as coisas
São mesmo assim".

Um pouco social, um pouco etílico. A primeira vertente foi abandonada, a segunda bastante explorada, e ultimamente até se cunhou pela crítica musical uma expressão que poderia descrever uma das mais longas fases da banda: etílico-mulherengo. Paralelamente, muito instrumental - o primeiro cd já o sinalizava.


O primeiro CD: uma quase-ficha-técnica


Ambos os cds do Urublues foram muito trabalhosos. Estamos falando do primeiro: aprovado o projeto pela Lei Rubem Braga - o que, inclusive, foi recebido com surpresa pela banda, conforme relatou Kawbi à reportagem de A GAZETA, para matéria publicada no dia 05 de maio de 1993 - só a partir daí começou-se a produção musical. Paralelamente, da produção executiva desincumbiam-se os produtores executivos Juvenal Carneiro de Souza e Vera Lúcia da Silva, cujo trabalho acabou viabilizando o disco mediante o apoio do Banco do Brasil, do Banco do Estado da Bahia e da Fundação Ceciliano Abel de Almeida.

O cd "Urublues" consumiu 72 (setenta e duas) horas, entre gravação e mixagem, no Studio Scalla, então em Jardim América. São 09 (nove) canções: Urublues (Kawbi, Zoidinho, Vito, Ro); Flores sob o Mal (Alexandre Lima, Jeder Janotti); Baby Blues (Getúlio Neves); No Berço dos Allman (Vagner Simonassi); Chegou a Hora (Kawbi); Momentos (Vagner Simonassi); Desculpe Baby (Vaner Simonassi, Kawbi, Getúlio Neves); Transplante (Kawbi); Festa no Céu (Alexandre Lima, Carlos Papel). Engraçado é que o tempo inicialmente contratado foi estourado em algumas horas, mas o próprio pessoal do estúdio, Armando Sinkovitz (Porão 22) e Paulinho (Moxuara) à frente, engajaram-se no projeto e estavam, também eles, ansiosos pelo resultado

Na verdade aquele cd foi, àquela altura, uma conquista dos músicos de Vitória, cuja cena musical efervescia de maneira especial naquele momemento. Por isto vários amigos da banda foram chamados a fazer participações especiais, o que muito valorizou o produto final: Alexandre Lima, no sax; César Távora, na gaita; Evandro e Saulo Simonassi na guitarra; Léo, baixo; Mário B., bateria; Kátia Brinco, vocal; Chico Jr., programação eletrônica (na música "Festa no Céu, gravada com bateria eletrônica).

Hoje em dia é fácil considerar (e eu também considero) que a sonoridade final tem pouca "pegada", para o estilo musical que a banda fazia. Mas hoje em dia é fácil falar isso, na época não dispúnhamos sequer de Pro Tools para masterização. A prensagem do cd se fez pela Sony Music, a capa se fez sobre um trabalho do artista plástico Chacal, e ao que me recordo a tiragem foi de mil exemplares.

Atualmente, 15 anos depois, trata-se de um clássico, modéstia à parte...

05 de maio de 1993



Foi no dia 05 de maio de 1993, uma quarta-feira, o primeiro show de lançamento do cd "Urublues". O primeiro, porque muitos outros houve... esse show primeiro foi no Auditório do Centro de Artes, no Cemuni IV, UFES. Hoje, revendo o ingresso, que ainda tenho, recordo-me que o show estava marcado para as 21 horas.

Lembro-me bem que estava eu do lado de fora do auditório, provavelmente esperando algum (a)convidado (a) e chegou uma menina, perguntando o que estava havendo ali. Expliquei, e embora ela já tivesse ouvido falar na banda, que era "cria" da Universidade, ela não me conhecia. Minha primeira decepção...

Vale a pena lembrar, então, como registro histórico, que na época do lançamento do primeiro cd a banda era integrada por Kawbi Figueiredo, vocal; Vagner Simonassi, guitarra; Getúlio Neves, guitarra; Dodo Lee Jones, baixo; Vaner Simonassi, bateria. Perdoem-me todos, mas esta a formação clássica do Urublues, aquela que tornou conhecida a banda e abriu caminho para que outras bandas capixabas pudessem aparecer e pudessem mostrar seu trabalho.

terça-feira

20 anos do Urublues


Este ano, 2008, Urublues faz 20 anos, e era até bom relembrar como tudo começou, o que se fez até aqui, coisas e causos que aconteceram... Urublues foi a primeira banda do Espírito Santo a gravar um cd, "Urublues", lançado em 1993 - 15 anos este ano. Antes, só João Pimenta gravara cd por aqui, como artista solo - se não me engano também pela Lei Rubem Braga, de incentivo à cultura do Município de Vitória.


Urublues foi a primeira banda de blues a ter sucesso no Espírito Santo; gravou dois cds de composições próprias, além de participação em várias coletâneas; é a mais antiga banda ainda em atividade no estado, tem mais de 600 apresentações no currículo. Assistimos a muitos modismos, à ascensão e queda de artistas e tendências, à abertura e encerramento de inúmeras casas noturnas e espaços culturais na Capital e no interior, à criação e derrocada de eventos culturais, a tempos de maior e menor aceitação por parte de público e crítica a artistas e produtos locais.


Então, e já que o pessoal tá querendo fazer um projeto para comemorar condignamente a data, abra-se este espaço para contribuição de todos nós que tivemos a ventura de estar na banda, e quem sabe até não conseguimos reunir material para publicação futura? Afinal, não é só por sermos históricos, nós abrimos caminhos...